Estarrecido, acompanho a tragédia ambiental que castiga Santa Catarina. Meu pai mora por lá, mas felizmente - para minha família - a situação da cidade aonde vive não é das piores. Mesmo assim, ele que se prepare, pois a polícia militar catarinense conseguiu a façanha de piorar o sofrimento das pessoas mais atingidas pelas chuvas.
Baixou o espírito da ditadura na PM. Para evitar os saques aos supermercados, a polícia instituiu o "toque de recolher". Qualquer pessoa encontrada nas ruas depois das 22h e que não tenha explicação para o que esteja fazendo será recolhida.
Isto não é um preceito legítimo para se instaurar o "estado de exceção". A FOME, esta sim, trata-se de um belo motivo para um estado de exceção. Portanto, os saques de comida são absolutamente legítimos. Se nos preocupamos em ajudar os flagelados, que o façamos de coração aberto. Sejamos realmente generosos e apreciemos a solidariedade mais urgente e imediatamente acessível, ainda que forçada: a das grandes redes de hiper-mega-mercados.
Todavia, como o Estado está sempre ao serviço do Capital, proíbe-se até que pessoas que perderam tudo possam comer. NÃO SE PODE ADMITIR NENHUMA MEDIDA QUE COÍBA NOSSA LIBERDADE DE IR E VIR. Ninguém pode ser obrigado a tamanho ultraje. Como se já não bastasse a tragédia natural, há de se enfrentar a tragédia humana. Sejam fortes, catarinenses. E você, meu pai, abra os olhos, porque o precedente já foi aberto.
Um comentário:
ESSA CHUVA PODE SER AVISO DO CÉU
O governador Luís Henrique faz o possível para ser lembrado como o político que passou para o sucessor um estado de calamidade pública.
Marcos Sá Correa * - Última Palavra – Isto é 03/12/2009, Página 98.
O governador de Santa Catarina, Luís Henrique da Silveira, finalmente se convenceu de que anda à solta por aí uma tal de desordem climática. Foi ela, pelo menos, a desculpa que o acudiu para definir o tipo de tragédia que derreteu encostas no Estado e matou dezenas de pessoas. É governador, essas coisas acontecem.
Talvez sejam, em vasta medida inevitáveis. Mas tendem a pegar mais pesado quem estava desprevenido. E, se estiver interessado em conferir o que quer dizer isso, pode folhear o Código Estadual de Meio Ambiente, que sob seu patrocínio está secando, mesmo debaixo de chuva, a caminho da Assembléia Legislativa.
Ele foi saindo cada vez mais torto, à medida que passava por audiências públicas. Pegou o mesmo tipo de resistência que, três anos atrás, defendeu Santa Catarina da criação de parques nacionais em lugares ainda abençoados por florestas de araucárias. Armou-se de dispositivos estranhos, senão agourentos, como a aprovação automática das licenças ambientais, se em 60 dias os técnicos não derem sua palavra final sobre projetos.
Tende a ser uma lei dura. Mas só é dura com aquilo que o governador já chamou na tevê de “oposição meio ambiental”. Pode ser coincidência, mas o rascunho está cada vez mais parecido com suas idéias, e, principalmente, com suas idiossincrasias.
Mesmo com a chuva caindo, ele riscou qualquer menção à “vida aquática”, na parte referente aos “recursos hídricos”. Pois é, trata-se de abrir alas à construção de hidrelétricas. Ele nunca engoliu os argumentos que o impediram de autorizar, como queria, quando prefeito de Joinville, a instalação de uma usina na serra catarinense. E acredita, ou professa, que toda precaução é um instrumento do “medievalismo”.
Como nunca esclareceu exatamente o que quer dizer com essa palavra, presume-se que não se trate da Idade Média original, a européia, marcada pela eliminação quase total das florestas no continente, pela transformação dos rios em esgotos fedorentos e por uma guerra milenar contra a fauna silvestre. O europeu do século XX também se distingue de seus antepassados medievais por ter mais árvores. Ou pela prerrogativa de pescar em rios límpidos no centro de Estocolmo. E até por não dar mais a seus políticos o direito de fazer em público as declarações que o governador faz em entrevistas. Muito menos de governar um Estado que é recordista nacional de devastação da mata atlântica, em nome do “aproveitamento sustentável da natureza” e da ojeriza à “obtusidade”.
Não adianta apontar para o céu. As chuvas podem fazer grandes estragos, mas dão e passam. Como nenhuma chuva chove dois mandatos, quase sempre há tempo de sobra para apagar os sinais deixados por sua passagem antes que venha a inundação seguinte. E as obras feitas aqui embaixo tendem a durar mais do que as pessoas que as deixaram. E, na batida em que vai, o governador Luís Henrique está fazendo o possível para ser lembrado como o político que tomou posse de um Estado invejado nacionalmente pela beleza natural e passou para o sucessor um estado de calamidade pública.
*Marcos Sá Correa é jornalista e editor da revista Piauí.
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