terça-feira, 24 de abril de 2012

Cine-Guerrilha: Capitães da Areia


Essa parece ser uma eterna discussão, mas acho que obras literárias com estatuto de "eternas" merecem sim adaptações para outros estilos, especialmente para o cinema. Esta é uma maneira eficiente de difundi-la ao grande público brasileiro que infelizmente - e estatisticamente, pouco lê. Naturalmente, tratando-se de outra mídia, como o cinema, libelos literários estarão sempre à mercê de reducionismos e interpretações nem sempre adequadas advindas da própria diferença de linguagem, dos roteiros, das edições, ritmos de narrativa, atuações, etc, etc.

"Capitães de Areia", publicado por Jorge Amado pouco após a implantação do Estado Novo, em 1937, tratava-se de uma obra libertária, que teve centenas de exemplares queimados pelo governo em praça pública de Salvador. Alegaram que a obra se tratava de propaganda comunista explícita, o que era verdade. Contudo, o que talvez tenha incomodado mais os facínoras censores da época foi ter de encarar o contraste magistralmente realista retratado no livro entre o projetão de modernização do Estado e a vida miserável que assolava as grandes cidades brasileiras,  a pobreza da vida e a riqueza das almas que emergem dos cenários mais caóticos como a dos meninos de rua da Salvador da década de 1930. No livro, a comuna de guris abandonados e desobedientes civis é enredada em diversas histórias onde a trupe de personagens apaixonantes representam cada qual jovens estereótipos de futuros adultos frutos desta época confusa da história do país: o revolucionário, o gigolô, o malandro, o cangaceiro, o mártir, o doente, o artista, o inconformado.

Na adaptação para o cinema que estreou no final de 2011, a neta de Amado resolveu homenagear o centenário de nascimento do avô dirigindo esta adaptação para o cinema. É evidente que eu gostaria de ver a questão social e a luta de classes que o livro mostra através do idealismo de Pedro Bala, o jovem líder dos capitães da areia, aparecer com mais força na película, e inclusive nos olhos do ator que o interpreta, o que é justo em se tratando da proposta de formação do elenco com atores amadores escolhidos a dedo de comunidades carentes, onde ao se ganhar uma fidedignidade estereotipada maior dos personagens (malgrado Bala não ser loiro no filme como retratado no livro, talvez propositalmente para reforçar os mencionados estereótipos) pode se perder e muito em dramaticidade interpretativa. Por outro lado, o amor e o respeito existente entre Dora, Bala e Professor é tratado de forma sensível ao que senti lendo o livro.

Paixões e desejos pessoais à parte, não vou me alongar porque já escrevi que acho as adaptações de grandes livros para o cinema sempre válidas, exceto quando avacalham geral com a história, o que não é o caso aqui. O negócio é que talvez exista uma ou duas mentes jovens plugadas - portanto, representantes típicas dessa pós-modernidade chapante e alienante, que ao verem o filme desejem ler o livro. Isto por si só faria valer a pena a existência dessa adaptação dirigida por Amado, mesmo que pouco politizada se comparada com uma história que chegou a ser digna da fogueira inquisitorial em 1937. Despolitização talvez de desejo do próprio avô quando, ainda em vida e claramente senil, distanciou-se do comunismo e do modelo libertário que tanto influenciaram o conjunto de sua obra para flertar com o também já finado Coronel ACM.

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