terça-feira, 27 de maio de 2008
A verdade sobre o trânsito de Brasília (ou, o Dossiê do Absurdo)
Discutir o trânsito caótico das grandes metrópoles brasileiras não é novidade. Recentemente, em Brasília, a cidade começou a discutir o assunto depois de se ver justamente enquadrada no grupo de cidades que vislumbram a curto/ médio prazo a falência de seu sistema viário urbano. Cada cidade possui problemas, soluções e desafios particulares. Com Brasília não é diferente. Este Dossiê pretende retratar alguns absurdos particulares de Brasília.
1º Absurdo - A frota do DF, que atingiu a marca de um milhão de veículos neste maio, o que perfaz a média de um carro para cada 2,3 habitantes. São Paulo, com a pior proporção do país, tem 1,78 carros/ habitantes. E Brasília, nas estatísticas, conta com um contingente humano que sequer tem dinheiro para passagem de ônibus, o que quer dizer que a média real é bem menor. Há cinco anos, a frota era a metade do que é hoje. Maior do que o problema de vagas para estacionar, ou de engarrafamento, são as mortes de pedestres advindas de um projeto urbanístico assassino, que não pensou na segurança dos passistas (aliás, sequer pensou em passeios públicos, diga-se de passagem!).
Projetos existentes: a melhoria do transporte público foi orçado pelo GDF em impressionantes US$ 246 milhões, que prevêem a implantação de corredores exclusivos de ônibus, construção de terminais de integração e um sistema de cartão que o passageiro poderá usar para pegar mais de um ônibus ou metrô durante um determinado período de tempo (semelhante ao bilhete único adotado em São Paulo). Muito legal, MAS... o prazo otimista para a conclusão do projeto é março de 2010, contando que o projeto não esbarre em outros absurdos. Ou seja, ele jamais se realizará, podem apostar.
2º Absurdo – O transporte público de Brasília, que talvez seja o mais desorganizado, corrupto e desumano do Brasil. É claro que por aqui não se anda num pau-de-arara, mas lembremos que o dono do pau-de-arara nunca teve que vencer uma licitação para oferecer seus serviços oficialmente. Contudo, os donos das empresas de ônibus daqui se comportam com maior desdém do que seus antecessores que traziam a população operária que ergueu este grande hospício.
Estes neo-caminhoneiros, donos das grandes empresas de paus-de-arara que servem Brasília, oferecem um transporte inacreditavelmente ruim. Ônibus sujos, sem horário, sempre lotados, sem tarifa única (sim, acreditem: dependendo do ônibus que você pegar aqui, da MESMA ORIGEM PARA O MESMO DESTINO, você pode pagar tarifas diferentes). O passe estudantil, então, beira a piada. Aqui, você deve comprar os passes por empresa. Quer dizer: onde moro, existem duas linhas que fazem o mesmo trajeto. Cada linha é feita por duas empresas diferentes. Para eu pegar um ônibus para casa com meu passe estudantil, DAS QUATRO OPÇÕES EXISTENTES, devo aguardar por aquela que corresponde exatamente ao meu bilhete. O problema é que, esperar por UMA QUE SEJA das quatro opções pode significar esquentar o banco da parada (quando tem um, ou quando ele não está lotado), por um bom tempo. E tudo isto com a absoluta conivência do GDF, que tem o RABO PRESO para com estes caminhoneiros (sem querer ofender a profissão). Além disso, os governos sabem que o transporte público não dá voto, por isso o descaso permanente.
Os donos das empresas são tão canalhas que preferem não investir em manutenção, priorizando o investimento em capital. Porta do lado esquerdo? Ônibus biarticulado? Piso rebaixado? Não, é complicação demais. Eles preferem simplificar os carros para depois poderem revender para outros países da América Latina. A frota nova que recebeu recentemente a capital é tão moderna quanto a antiga. A única diferença é seu aspecto de limpeza. Acreditem: quando saí de minha cidade, em 2006, desde o início dos anos 2000 os ônibus de lá já eram equipados com ar condicionado, entrada e espaço apropriado para cadeirantes e alguns já se davam ao luxo de não possuírem degraus e se inclinarem levemente para a direita, quando do embarque/ desembarque... ISTO NÃO É UM FAVOR, É UM DIREITO!... Melhoria na frota de ônibus de Brasília? Não me façam rir...
Os donos das empresas também são lentos para realizar qualquer melhoria, mas apressados para renovar seus contratos com o governo, aliás, algo que sempre conseguem. "Também é difícil implantar o bilhete único, porque há uma resistência das empresas à integração tarifária e à liberação de dados econômicos e financeiros em tempo real para o poder público", disse Joaquim Aragão, professor da UnB, ao maior tablóide local.
Projetos existentes: O secretário de transportes Alberto Fraga pretende “reduzir o número de ônibus e vans, porque a idéia é otimizar a utilização do sistema. O usuário vai poder pegar qualquer ônibus onde estiver, porque terá a possibilidade de embarcar em outro ônibus sem pagar mais uma passagem. Com isso, o tempo de espera vai diminuir muito". A redução dos meios de transporte é uma idéia PELEGA, por dois motivos: i) o GDF desresponsabiliza as empresas de ônibus; ii) o GDF pretende reduzir sua frota menos importante (a que serve a população mais empobrecida, essa é a verdade) para contribuir na desresponsabilização da classe média/ alta que possui a quantidade exorbitante de carros em Brasília. Tais aspectos nos levam aos dois próximos absurdos.
3º Absurdo – O transporte coletivo informal, existe em Brasília por relação proporcionalmente direta ao péssimo serviço prestado pelo GDF. São vans e carros de passeio que realizam os trajetos dos ônibus, cobrando o mesmo preço das passagens. Por exemplo, você está na rodoviária esperando o ônibus 101, que leva à UnB. A fila já passou a lanchonete e só se faz aumentar, até que um cara passa por você perguntando “UnB, UnB” ?? Você e mais três são conduzidos até um carro que te cobra o mesmo do ônibus lotado que ainda não chegou e ainda te deixa mais perto do que a parada do "baú" (como falam por aqui) te deixaria. Perfeito: você anda de “táxi coletivo” por dois reais!
Esta forma de transporte, absolutamente anárquica e eficaz, obviamente vai contra a idéia do monopólio, e por isso incomoda e vira crime, sob a bandeira da “segurança” do usuário. Sei...
Mas, como sempre se dá um jeitinho, o caso é se programar para dividir a multa quando pego, que varia de 2 mil reais para primários, a 5 mil para os reincidentes. "Se o carro for muito velho, eles nem vão buscar; preferem comprar outro", diz o gerente de fiscalização da DFTrans, Pedro Jorge, que apreende em média 50, 60 carros por semana. O gerente diz ser difícil monitorar tal clandestinidade, conforme informação da própria polícia. Bem, se o gerente não sabe, eu vou explicar para ele porque a polícia tem esta "opinião".
Estava eu me dirigindo para um destes carros clandestinos quando nosso "guia" pediu ao grupo repentinamente para mudar de direção. Perguntei depois para ele o porquê daquilo. Era porque o policial que estava de guarda ali não era o que eles tinham um esquema já certo, que rendia uns 800 reais para nosso segurança público armado. O outro policial, do qual fugimos, queria cobrar, conforme nosso guia, o “absurdo de 2 mil reais por mês”!
Para além de esquemas para-legais, digamos assim, muitos oferecem carona pelo simples fato de juntar uns trocados para contribuir na gasolina. Eu mesmo já “paguei” caronas assim, feliz da vida por não ter de esperar mais, viajar mais confortável, além de oportunizar para mim a chance de ter algo que sinto muita falta por aqui: conversar despretensiosamente com pessoas desconhecidas, sobre qualquer coisa...
O último item deste absurdo são as vans, proibidas pelo GDF no ano passado. Fico dividido em opinar, pois por um lado era maravilhoso. Eu não precisava esperar mais de dez minutos para tomar uma condução. Por outro lado, as vans eram absolutamente descontroladas e perigosas. Viajavam lotadíssimas e velozmente. Somente eu me ACIDENTEI DUAS VEZES a bordo de uma delas, sem muitos danos, graças aos deuses. Outra vez, quando ia a um show público na Esplanada à noite, tomei uma van com um amigo aonde alegres rapazes compartilhavam com o motorista e com o cobrador um grande charuto de baseado. A “sauna" que se instaurou no interior do veículo constrangeu uma senhora de uns 40 e tantos anos. O restante dos passageiros até que chegaram bem à Esplanada.
4 ºAbsurdo – A cultura do carro em Brasília, é um grande empecilho para a melhora das coisas. O Plano Piloto tem largas avenidas planas, mas poucas ciclovias e calçadas. Quando alguém pede informação sobre como chegar a determinado local, as instruções sempre são dadas levando-se em conta que o interlocutor tem carro. Caso ele diga que vai utilizar o transporte público, a maioria não sabe qual o trajeto a ser seguido, e invariavelmente mandam a pessoa para a Rodoviária!
Por que a "cultura do carro" é tão forte no Distrito Federal? Só vejo uma explicação além do poder aquisitivo: a concepção original da cidade! Mesmo com projeções populacionais erradas, como é que os urbanistas da década de 1950 não conceberam uma cidade com um metrô subterrâneo que interligasse toda o Plano, além das Satélites, ou não diminuíram o espaço inútil que existe entre os lugares?
Carro em Brasília não é um luxo, é uma necessidade. O problema é que desta necessidade reproduziu-se elementos de raiz burguesa, individualista e machista. Tão nojenta, para se resumir o assunto, que o Detran descarta a adoção de um sistema de rodízio por achar que seu efeito seria nulo, já que a mesma família poderia adquirir dois ou mais veículos. É juntar a fome com a vontade de comer: sem um carro por aqui, suas chances de se tornar um outsider, de ficar no seu lugar, são bem maiores.
Projetos existentes: o governo defende medidas restritivas ao uso de veículos, como a criação de corredores de ônibus e a cobrança dos estacionamentos públicos. Cobranças de estacionamentos públicos? Ok. O governo também tem o direito de desresponsabilizar a si mesmo. É mais fácil do que melhorar o transporte público e os passeios da cidade, incentivando seus usos.
5º Absurdo – Metrô do DF, uma grande piada de mau gosto. Ele foi criado apenas em 2001 e sempre serviu para enxotar a massa operária do Plano Piloto para seu local de residência, o mais longe que fosse possível. Assim, acalmaria os ânimos “desta gente”, aliás, política que marcou os governos de Joaquim Roriz por aqui. Por isso, até pouco atrás, ele não funcionava nos finais de semana e terminava seu expediente às 20h. Happy-houer na Asa Sul? Só se for na da galinha que te espera no jardim da tua casa em Samambaia!
Projetos existentes: no final de abril, foram inauguradas quatro estações do metrô em Ceilândia, que aumentaram a malha do DF para cerca de 46,5 km, com um total de 21 estações. Mas o sistema, que começou a funcionar apenas em 2001, ainda é muito limitado. Atualmente, o metrô liga o Plano Piloto a Ceilândia Sul e Samambaia, passando pelo Guará, Águas Claras e Taguatinga. A parte norte de Brasília não é atendida. Ademais, o sindicato dos metroviários é taxativo: ”o que o sindicato espera é o caos", definiu seu presidente, que acrescentou que “as filas (para compra de bilhetes) vão aumentar; não houve compra de trens e estão tirando os bloqueios das estações existentes para colocar nas novas”. Por descaso ou falta de planejamento, vai faltar gente para dar conta da nova demanda. Duvidam?
No feriado de 21 de abril, aniversário de Brasília, o metrô circulou de graça, mas a estação terminal que fica na Rodoviária do Plano Piloto chegou a ser fechada por não comportar o grande número de passageiros. Os ônibus também foram insuficientes. Segundo a Polícia Militar, a festa de aniversário da cidade, na Esplanada dos Ministérios, reuniu um público de 750 mil pessoas.
6º Absurdo – Brasília é patrimônio cultural da humanidade, o que inviabiliza ou dificultas diversos projetos de modernização viária. Alguns realmente são alienantes, mas não todos. O problema é que todos acabam entrando no mesmo saco-de-gatos inoperante daquele órgão que realmente decide as coisas, o Iphan. Até mesmo projetos que estão previstos para o transporte coletivo devem ser discutidas com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
"As obras não podem fugir do traçado original do plano piloto", explica o superintendente regional do Iphan, Alfredo Gastal. O que talvez Gastal não saiba (porque provavelmente anda de motorista pela cidade), é que enquanto o Iphan está preocupado com a estética ultrapassada da cidade, a mesma está em vias de entrar em colapso. Tem que abrir buraco mesmo em toda a cidade, e criar um mundo subterrâneo que permita a superfície se locomover, de preferência sem a necessidade de carros.
7º Absurdo – A realidade de Brasília é lamentável, e dificulta certos progressos no plano urbanístico. Esta é a grande ironia que define a cidade. Os problemas particulares daqui são muitos, como em qualquer lugar. O Eixão, por exemplo, que tratamos recentemente no blog, possui uma grande obra prevista para começar em outubro deste ano, que fará a construção de muretas para separar as pistas do Eixo Rodoviário. A obra deve evitar tanto colisões frontais como a travessia de pedestres comum na via de maior velocidade permitida do Plano Piloto, com limite de 80 km/h. Sem semáforos ou viadutos, quem está a pé tem como opções, hoje, se arriscar em meio ao intenso trânsito de veículos ou utilizar passagens subterrâneas, aonde ser assaltado é o menor dos perigos que corre quem se arrisca passar por ali.
8º Absurdo - A defesa do uso de bicicletas, um verdadeiro perigo revestido com o discurso do "politicamente correto". Já ouvi muita gente dizer isto, defender melhores condições de tráfego para os ciclistas, etc. BOBAGEM! Os ciclistas ATRAPALHAM o trânsito de Brasília, que não está preparado para recebê-los. Entro sempre em pânico quando avisto um na rua, pois como todas as vias são rápidas por aqui, qualquer colisão deixaria Jason com inveja.
Também para os naturebas, ecologistas e há-ri bôs existentes, eu gostaria de informá-los que o Planalto Central possui um dos climas mais secos e indigestos do país. Qualquer pedalada durante o dia aqui significa risco de morte, não somente pelo calor, mas também à provável distância que terás que percorrer entre um destino e outro. Isto é coisa para atletas mais regulares. Muitos profissionais inclusive escolheram o DF como local de treinamento, devido ao seu clima inóspito. Para quem gosta (ou consegue) a solução passa pela iniciativa do governo de criar ciclovias em toda a cidade. Virem-se, se quiserem que eu defenda o ciclismo por aqui!
Por fim, encerro este Dossiê de Absurdos retomando o professor Aragão. Sem financiamento público, disse, as opções seriam apenas medidas "paliativas". "Bicicleta, placa ímpar - placa par, faixa exclusiva de ônibus, tudo isso é visto como novidade, mas já existe há anos. No Brasil, ser moderno é voltar no tempo."
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3 comentários:
Quem anda de bike é atleta, não natureba ou ecologista.
O clima de brasília é ótimo p/ praticar esportes, tanto que é cidade com maior número de esportistas do Brasil, proporcionalmente (exercício em lugar úmido é extenuante, a não ser no litoral).
Longe? cruzar a cidade de asa a asa não dá nem 20Km. meia hora de bike, pedalando numa boa.
Então, boa sorte!!!
Oi, postei este texto aqui:
http://apeembrasilia.blogspot.com/2009/03/verdade-sobre-o-transito-de-brasilia-o.html
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