segunda-feira, 21 de julho de 2008

Dercy Gonçalves: o Brasil perdeu uma grande mulher


O Brasil perdeu uma de suas personalidades femininas mais trangressoras. Dolores Gonçalves Costa, com mais de 70 anos de carreira, dizia que somente morreria quando quisesse. Bem, querendo ou não, no alto dos seus 103 anos (conforme sua própria contagem), a atriz foi vítima de pneumonia neste último sábado, no Rio de Janeiro.


Assim que soube da notícia, confesso que meu primeiro sentimento foi de alívio. Agora que Dercy Gonçalves partiu para o outro lado, estou convencido que existe realmente uma ordem natural das coisas: todos os seres vivos, sem exceção, morrem algum dia! Dercy Gonçalves desafiava esta lei, e parte da humanidade, como eu e Saramago (que escreveu sobre "As intermitências da morte") já pensavam que a imortalidade consistia em algo possível para nossa espécie.


Mesmo desiludidos com a verdadeira - e triste - lei da vida, os Guerrilheiros não podem deixar de prestar aqui a sua homenagem a esta grande mulher, conhecida midiaticamente por sua "irreverência", algo que nós preferimos chamar de "rebeldia" e de "inconformidade".


Filha de uma família muito pobre, Dercy trabalhava como bilheteira de cinema desde muito jovem, até estrear como atriz itinerante de teatro no longínquo ano de 1929! Desde esta época, a matriarca do despudor já provocava o choque (e a admiração) de todos aqueles que a conheciam. Seu despudor e sua rebeldia marcaram sua carreira, tornando-a uma personagem de si mesma.


Como mulher (e para elas certas coisas são sempre mais difíceis), Dercy rompeu desde muuuito cedo com certos padrões e expectativas de comportamento, e iniciou ao seu modo no Brasil, ainda na década 1930-40 como estrela de comédias e do teatro de revista, a emancipação social e sexual feminina, algo que ficaria registrado em nossa memória coletiva somente décadas depois, via movimentos made in países do Atlântico Norte. Portanto, o Movimento Feminista Brasileiro deveria render todas as homenagens possíveis a esta grande mulher, ao invés de ignorar a sua rebeldia e a sua inconformidade à maneira do senso comum, por exemplo, a partir de epítetos falocêntricos como esta imbecil idéia de "irreverência".


Descrever as atitudes libertárias desta mulher estenderiam em demasia este post. Desde seu casamento nos anos 1950, quando já era mãe solteira de Dercimar (sua única filha) com outro homem, passando pelo seu topless no Carnaval de 1991 (com 85 anos!), até sua ultima aparição pública, na festa da boate gay Le Boy, em Copacabana, Dercy mostrou que independentemente do que o mundo espera da gente, sempre podemos exercer nossa autonomia, sermos quem desejamos ser. Ela conseguiu provar-nos isto ao longo de mais de um século. Por isso, com a sua morte perdemos uma pessoa, mas ganhamos um mito. Viage em paz, Dercy!

Um comentário:

Anônimo disse...

Ser o que se é. Pra maioria, é o mais difícil. Pra todos, é o que importa realmente.